

Sandra Lopes - 23/12/10
Sorreteiramente entrastes em minha vida. De uma maneira torta? Amizade, cumplicidade, alegria, sonhos, ilusões, desilusões, esperança, promessa. Chegastes nem tão depressa que assusta nem tão devagar que desanima. Frases soltas. Medo? Insegurança? Não. Excesso de autoconfiança, talvez.
Ei moço, não se alarme com meu jeito. Leia-me nas entre linhas. As atitudes não correspondem inteiramente aos fatos. Nem tudo é como parece ser. Sou fera ferida. Cicatrizes. Desculpas? Não. Autoproteção. De quê? Da dor, do medo, do desamor, da incompetência, da incompreensão.
Ei moço, não me julgues incapaz, não me julgues acomodada. Não me julgues.
Ei moço, não me prenda. Me surpreenda. Sou indomável, mas doce. Sou casca dura, mas coração mole. Uma contradição.
Ei moço, me entenda muito mais no silêncio do que na agitação. Decifra-me pelo olhar, retrato da minh'alma. Um enigma? Depende de tua sutileza. Complicada? Hei de ser. Uma prova à resistência. Valerá a pena? Quem é que sabe? Corremos o risco!
"Atitudes valem mais que palavras."
O Natal exerce um certo encantamento nas pessoas. Nos tornamos mais sentimentais, mais voltados para a família, para os amigos, para o ser humano. Defino a expressão verbal do momento: compartilhar. Compartilha-se alegrias, vitórias, derrotas, enfim, fazemos um balanço das nossas ações ao longo do ano prestes a findar. Esta não é uma visão pessoal, é o que observo a minha volta. Pessoalmente procuro me abstrair destas datas, aliás, nem lembro o que fiz, onde estava ou com quem estava no natal passado. Sou uma pessoa fria? Talvez. Julgue-me como quiseres. O que tenho a dizer a meu favor é que nem sempre foi assim.
Há muito não acredito em Papai Noel e na tal magia natalina, cada vez mais voltada ao consumismo. Preservo, sim, as memórias da infância. Infelizmente nem mesmo as crianças possuem mais a inocência que a data requer, o que querem, o que mais importa, é o presente ou os presentes, já não se contentam em ganhar qualquer coisa.
A infância é colorida, é cheia de sabores, tudo possui uma proporção diferente de quando somos adultos, pelo menos para mim é assim, e é por isso que digo: infelizmente as crianças de hoje são diferentes. Não as culpo, nem aos pais, os tempos é que são outros. É difícil se manter longe dos apelos consumistas. No entanto, seria cauteloso, ao meu ver, preservar ao máximo as nossas crianças de tudo isso. Vemos, hoje, miniaturas de adultos refletidas nas crianças. Cadê a pureza? Cadê a inocência? A fantasia?
Por muito tempo acreditei em cegonha, em Papai Noel, que as mães não erram, no coelhinho da páscoa e tanto mais. Atribuo a tudo isso a minha imaginação fértil. No tempo certo e, gradativamente, de acordo com minha maturidade fui ficando a par de tudo. Confesso: fiquei um tanto decepcionada, principalmente, com o fato de saber que as mães não são perfeitas, que erram como qualquer outro ser humano. Contudo, agradeço pela educação recebida, pela minha infância preservada.
Dias atrás subitamente desejei sentir novamente alguns sabores daquela época. Lembrei-me, com água na boca, do doce de laranja que uma tia fazia, e vem de lá essa preferência, mas ilusões a parte jamais vou comer igual. Não tendo o doce de laranja, me lembrei das jujubas, das maria-moles. Ah! As maria-moles, tão poucas para dividir com tantos irmãos. Ambicionava ter muito dinheiro para comprar muitas maria-moles. Qual criança hoje possui tal ambição?
Como essa vontade surgiu em horário inapropriado, pois não se vende maria-moles em qualquer lugar e a qualquer hora, fiquei esperando o dia amanhecer para ir atrás do meu objeto de desejo, e para minha surpresa as encontrei no primeiro lugar que entrei. Tão surpreso ficou, também, o vendedor diante do meu pedido e antes mesmo que me indagasse disse a ele que era pra mim mesma. Olhou-me desconfiado, pois nem aparentando grávida eu estava.
O que fazer fazer com tantas maria-moles? A primeira etapa eu já havia realizado com uma facilidade inesperada, o que já fez reduzir a vontade. O momento era solene, necessitava de estratégia. Simplesmente devorá-las. Não. Além disso havia a dúvida se mantinham o mesmo sabor, o sabor experimentado na infância. O desejo não era pelo doce. Não era pelo teor calórico; isso já demandaria um pouco de prudência. O real valor estava na memória, na saudade de outros tempos. Simplesmente devorá-las. Não.
Na dúvida, conservo as maria-moles da minha infância. Onde? Na memória inocente da criança que fui. E quanto as compradas permanecem aqui, objeto simbólico dos desejos de uma adulta buscando apego no que já lhe fez feliz.
E o que há?
E o que há de errado em querer sempre mais? Em querer bem mais do que a gente mesmo pode dar ou ter? O que há de mal em sonhar alto sem temer o tombo? O que há de mal em acreditar que é possível?
Acredito que não haja nada de mal com as coisas que citei, com o que questionei. Talvez o mal esteja em nós que sonhamos, que acreditamos, que queremos e que não tememos. Contudo, estou quase convecida em entrar na linha e começar a desacreditar, seguir os passos da maioria da humanidade. Porém, não me agrada viver mediocremente. Não me agrada seguir passos contados para não ir mais além. Não me agradam tantas coisas. Estas tantas coisas, acredito, não te agradam também.
Podemos parecer eternos insatisfeitos. Rebeldes sem causas para alguns. Metidos a besta para outros. O que importa? O que importa é que nós tenhamos consciência de quem somos, o resto é resto, e o que resta, por restar, não importa.
E o que me importa? Me importa a esperança em dias melhores, os braços estendidos, o abraço apertado, o olhar sincero, ouvir mais do que falar, a ética, o profissionalismo, a paixão por algo, a amizade, a música, a honestidade, o amor ao próximo, a sinceridade, novos sabores, boas histórias, a gentileza, a delicadeza, o perfume, a dança, o sorriso, o amor correspondido, as crianças, a família, a política, a religião, a compaixão... Tantas coisas me interessam. O que mais me importa, neste instante, é não deixar de me importar.
Para muitos o que escrevo soa triste, respingos de melancolia. Não tenho a pretensão de escrever apenas o que lhes agradam, não pretendo aplausos nem vaias, não quero fama, não quero grana. Uso este espaço para me expressar, para aliviar as palavras que brotam, para organizar os pensamentos, para buscar um alento, para me comunicar com você que leu este texto até o fim. E se chegou até aqui, é porque se importa, assim como eu!
Prestes a completar mais um ano de existência paro pra pensar mais atentamente em algumas coisas. Acho que é normal fazermos um feedback da nossa passagem. É normal, porém não digo que seja bom. É necessário, mas não digo que seja agradável. Por que somos tão apegados a esta questão de idade? Afinal, não ouvimos sempre que o que interessa é manter o espírito jovem? Não estamos cansados de ver muitos jovenzinhos pra lá de acabados?
O que nos amedronta ou atormenta a cada aniversário que fazemos? A vida escorre por entre os dedos. De repente não possuímos mais tanta vitalidade, não possuímos a mesma agilidade de raciocínio. Será mesmo?
Poderia assim dizer que quase não há mais a possibilidade de encontrar alguém sem que nos despojemos do que realmente somos. Infelizmente é assim. Devemos parecer exatamente como os outros querem que pareçamos?
De uma coisa tenho certeza: vou continuar me sentindo deslocada do planeta, me recuso em aceitar esta artificialidade das relações, entretanto, ainda tenho esperança de que nem todas as pessoas estejam satisfeitas com essa realidade.
O tempo passa e o que hoje está tudo em cima, mais cedo ou mais tarde, a lei da gravidade agirá implacavelmente. Ou aceitamos estas mudanças que o tempo provoca ou seremos um "bando" de mulheres e homens infláveis empilhados em filas intermináveis nos centros estéticos. Não tenho absolutamente nada contra, um pouco de vaidade é necessária, nos faz bem. Mas uma vaidade certa, na medida. Tudo o que é exagero ultrapassa o senso do ridículo.
Presta-se atenção em tudo, no frio que corta o rosto da gente, na chuva que insiste em cair de repente, na roupa molhada, na cor cinza dos dias sem sol. Particularmente gosto de dias assim: cinza e, preferivelmente, em tom escuro.
Em dias assim não temos obrigação em parecermos alegres, não somos expulsos de casa no final de semana porque devemos aproveitar o sol, o sorvete, a farra com os amigos, a paquera descarada, os corpos à mostra. Ficamos na introspecção sem nos sentirmos estranhos por causa disso. O inverno nos obriga a olharmos pra dentro de nós mesmos, e não é de se impressionar que é nesta estação que cresce o número de deprimidos.
A questão não são os dias cinzas, nem o passo largo, nem o peso das roupas que faz aumentar a tristeza típica dos dias glaciais. Na introspeção damos de cara com nós mesmos. E, como é difícil esse encontro. No inverno nos escondemos do outro para nos revelarmos a nós mesmos. Nos revelamos carentes de abraços apertados, de sorrisos que aquecem, de cobertor e filmes, de companhia agradável, de conversa animada ao pé da lareira, de bochecha cor-de-rosa, do pé frio da pessoa amada, do caldinho da sopa, dormir de conchinha...
Quanta coisa boa o inverno pode nos proporcionar, basta que ele seja apenas mais uma estação e não uma condição interior, que por mais calor que se faça podemos estar congelados por dentro. Tudo isso que escrevo mais parece filosofia de boteco, mas serve pra reforçar que desconheço o destino do inverno que fazia aqui dentro!
Sandra Lopes - 11/07/2010.