domingo, 13 de junho de 2010

VIAGEM

Atendendo a pedidos...(rsrsrsrs)

Viagem

Ela se separou após dois anos da separação. Calma, eu explico. Claro que não estou falando de uma relação qualquer, estou falando de uma união que fora intensa, muito mais que a união de dois corpos. Não, nada de banalização. Estou falando de duas pessoas que se entendiam, que se completavam, que possuíam os mesmos gostos e sonhos, que vislumbravam o mesmo caminho, os assuntos eram inesgotáveis, mesmo em silêncio se entediam. Pelo menos era assim até certo ponto, era assim que ela via esta união.
A maneira como se deu o encontro foi algo incrível. Ela havia ido passar o final de semana na sua terra natal, um lugar pacato e sem novidades. Vivera lá do nascimento até os seus vinte e quatro anos, e um ano depois retornou apenas a passeio, foi até lá para rever os amigos e familiares. Nunca gostou de morar naquela cidade. Ele estava ali a trabalho, e também, não gostava nenhum pouco da calmaria em demasia dali. Aparentemente naquela noite não aconteceria nada incomum a não ser o fato de amigos estarem comemorando e terem saído para se divertirem juntos, e ele, entediado, ter saído com alguns colegas de trabalho.
Duas pessoas de pontos tão diferentes, o que tinham em comum era o fato de estarem em um mesmo local atraídos pela diversão. Não demorou muito para ele reparar nela, percebeu que nunca havia avistado ela por ali, se sentiu atraído e não fez rodeios. Os olhos se fitaram como se fosse possível apreender aquele momento e levá-lo intocável a posterioridade, os braços se entrelaçaram numa comunhão perfeita, tinham muitas coisas a dizer um para o outro e de pronto surgiu a intimidade. Ela lhe contou fatos de sua vida que não contava nem para a melhor amiga, ele lhe falou de tudo um pouco, inclusive que estava de aniversário naquele dia. Ela, segundo ele, estava sendo o seu melhor presente, e por algum tempo foi.
Já sei, deves estar pensando porque houve então a separação? Sim, é difícil de entender. Apesar de toda afinidade, depois de algum tempo, compreende-se que ambos se achavam em sintonias diferentes e que maturidade não é só do corpo, mas também da alma. Há certas coisas que não temos como lutar contra. Por algum tempo ela pensou que pudesse. O primeiro ímpeto foi de fúria, depois inconformidade, desespero, dor que chegou até ser dor física. De repente se apegou a uma esperança: reconciliação.
Aí é que reside a armadilha, pois não nos damos conta de que, assim como o tempo pode ser um forte aliado, ele pode ser traiçoeiro, porque ficamos esperando que ele dê um jeito e alimentamos dia após dia esta suposição baseada nos próprios sentimentos.
Nos primeiros meses se alimentou de promessas e muitas visitas. Assim como ela, ele sofria. Ele culpou o destino, ela o julgou fraco. Ele jurou que a amava, ela sempre sucumbia. Ele procurava solução para o irremediável, ela passou a crer em milagres. Não havia dúvidas, se amavam. Amavam-se, se amavam e sofriam.
Quanto mais o tempo foi passando mais tinha noção da distância. As conversas aos poucos foram se tornando formais. A amizade se manteve, mais por sentimento de culpa dele do que qualquer outra coisa, culpa envergonhada, culpa imposta. Ah! Claro, ele insistia em lhe dizer que a amava. Ela permaneceu no mesmo lugar preservando lembranças, principalmente as boas. Saiu, dançou, sorriu amarelo, conquistou amizades e se desfez de algumas, trabalhou, trabalhou e trabalhou. Assim, se tornou uma presa fácil para o seu orgulho de homem, o pouco que dava de si a mantinha fiel. Ela não ambicionava mais nada, viver se resumiu em sobreviver.
Os contatos esporádicos nutriam a saudade sentida. Ele se revigorava, ela se anulava. Quanto tempo isso? Desculpe-me, esqueci de lhe situar. Havia se passado mais de um ano. Tudo bem: idiota, boba, iludida; não se culpe por julgá-la assim, é dessa forma que ela se via também.
Não deixou de sair, mais por imposição dos amigos do que pela própria vontade. Conheceu uma pessoa, não o levou a sério, não cabe aqui citar a terceira pessoa. Embora ele tivesse tentado quebrar a barreira, não conseguiu. Quis atingi-la, quis afastá-la da solidão. Tentou, mas não conseguiu. Eram diferentes demais. Ela o comparava sem ao menos ele saber. Difícil competição. Com isso ela passou a sofrer duplamente, sentia-se impossibilitada, um ser incapaz, sem sentimentos. Começou a ter enxaquecas que nunca tivera e criar desculpas indesculpáveis, até criar coragem e dar fim ao que nunca começou.
Estava novamente no mesmo ponto, aliás, nem havia saído. Queria respostas para muitas perguntas, buscava e não encontrava. Não estava preparada para saber. No entanto, tinha anseios, percebia que a vida passava por entre os dedos tal qual areia fina. Espantou-se com a urgência de viver, com a urgência da maternidade, com os dias coloridos, com o riso descomprometido e verdadeiro, com a vontade de andar de mãos dadas numa tarde de domingo. Voltou-se para si, uma viagem interna, uma busca onde as respostas sempre estiveram. Visitou compartimentos esquecidos, reavivou detalhes, sentiu dores há muito já sentidas, reconheceu os seus erros e pediu perdão por eles, perdoou, entendeu o sentido do termo causa e efeito e percebeu que nem tudo o que pintara era perfeito.
Embora consciente, estava difícil se livrar do passado, cenário perfeito construído com bases sólidas e intangíveis, segundo ela. Voltou-se para ele agora com outros olhos, ainda com esperança de manter o que sempre cultivara, mas nada permanecia no lugar, as cores perfeitas estavam escassas, corroídas, borradas pelo tempo e pela mágoa.
As engrenagens aos poucos voltavam a funcionar, giravam lentamente, o primeiro impulso fora dado. Fechou a porta do desamor e a trancou com as chaves da memória, afinal não há como se livrar em definitivo de tamanha dor, mas há como trancá-los no porão do esquecimento e da aprendizagem. Por fim, cobriu as paredes com tinta branca deixando-as livres para um novo colorido.
Dois anos, exatamente, foram necessários para que ela rompesse em definitivo com o que julgava perfeito. Sei que algumas perguntas passam pela sua cabeça, meu caro leitor, confesso que também sou um pouco incrédula. Será que ela vai conseguir aplicar tudo o que aprendeu, será que ela vai resistir à tentação dos sentimentos, será que se dará a chance de correr riscos, será que irá adiante depois de um possível novo fracasso? Mais uma vez lhe peço desculpas, pois não tenho as respostas, porém de uma coisa eu sei, no final desta viagem, ela saiu muito diferente do que quando ingressara.
Quanto a ele? Bom, o foco não é esse nem cabe a eu julgá-lo, mas o vejo constantemente perdido na sua indecisão, se acovardou e desistiu de tentar, busca incessantemente por ela na memória, nos sonhos, nas palavras, mas não a encontra, pois estão, agora, em estações diferentes. Ele conformado, ela pronta para viver o que mais a vida lhe reservou.
Um dia, talvez, se encontrem, não aqui. Na eternidade. Os olhos se fitarão... Feliz aniversário!


Sandra Lopes – 22/06/09

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