sábado, 7 de agosto de 2010

Alguém do passado

Ele estava suspenso no leito, preso a um fio ínfimo de vida, estava se segurando no último raio de esperança e medo. O que era maior: a esperança ou o medo? Esperança de quê? Para quê?

O raio de vida se chamava, na verdade, tubo de oxigênio, o qual ele sugava com as escassas forças que lhe restava. Talvez precisasse se despedir com dignidade, talvez precisasse mostrar sua coragem, ou talvez, ainda, quisesse causar impacto na pessoa que mais lhe importava. Não admitia simplesmente ir, afinal, para ele, não seria apenas uma ausência, seria uma partida. Precisava ir, não sem antes impactar. O momento era importante demais e não poderia ser desperdiçado, nem por ele nem pelos demais. Nunca havia sido visto tão determinado, embora a missão fosse impossível, pois sua vida se esgotava visivelmente.

A respiração era forçada, buscava o ar como uma planta que vai em direção ao sol. Fonte vital de energia. Permaneceu ali bravamente, firme na sua decisão de resistir, e resistiu o quanto lhe foi permitido. Resistiu o tempo suficiente para perdoar e ser perdoado. Resistiu por si mesmo, por esperança, por covardia, por coragem. Esperava poder continuar e fazer tudo diferente. Gostaria de ser o esposo amoroso e dedicado que não foi, desejava ser o pai carinhoso e atencioso que não conseguiu ser. Esperava tanta coisa, menos ter que se confrontar com o desconhecido.

Seus últimos anos foram de uma intensa preparação inconsciente. Sobreviveu a vários acidentes, e o homem dotado de uma força bruta, definhou. Necessitou de ajuda para realizar as tarefas mais banais. As mãos que um dia foram usadas para agredir perderam suas forças. As palavras que lhe saiam tempestuosas e cheias de julgamento se tornaram incompreensíveis.

Embora possa lhe parecer este relato um empilhado de mágoas, afirmo que ele conseguiu ensinar nos seus últimos anos tudo o que, com sua sanidade ora perdida, não ensinara.

Dias atrás nos encontramos. Um encontro arranjado. Uma conversa concedida e reconciliadora, que durou horas, minutos ou segundos, tempo fisicamente incontável, mas que valeu pelo silêncio abafado por anos de existência. Apresentou-se com uma aparência tranquila, mas estava preocupado. Estava consciente da sua condição frágil e terminal. Confessou-me a sua maior fraqueza: o medo.

O medo de não ser amado fez com que não demonstrasse amor, o medo de errar lhe fez nem tentar o sucesso, o medo de parecer fraco lhe embruteceu, o medo não lhe permitiu que se mostrasse como realmente era ou teria sido. E como teria sido?

Explicar-lhe que não precisava se sentir amedrontado fora a coisa mais digna que eu poderia ter feito. Despido das suas limitações, concluiu que havia desperdiçado o seu tempo, que tudo poderia ter sido diferente.

O som agonizante de sua respiração artificial me trouxe de volta aquele cenário de caos. Ficar ali estava sendo uma terrível experiência, porém inevitável. Permanecer era a garantia do confrontamento com um ciclo que se encerrava para apenas iniciar outro.

E assim se foi deixando lembranças a todos que ficaram. Para uns o gosto amargo da convivência e da intolerância, para outros, nem tanto. Partiu, mas a natureza sábia permitiu um aprendizado a quem estivesse disposto a compreender.

Texto concluído em 07/08/10.

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