terça-feira, 15 de junho de 2010

Banalidades

Banalidades


Mil coisas na cabeça, tarefas para cumprir, com tudo isso, fui parar em uma fila do crediário de uma loja. Sabe essas lojas populares que existem por toda parte? Leve seu produto e só pague a perder de vista, e perca também o juízo, pois tantas facilidades pesam muito no bolso. Enfim, parei ali para fazer um favor a uma amiga. Sou um tanto impaciente e a demora no atendimento já estava me dando urticária. A movimentação das pessoas, as conversas, os produtos me tiraram do foco principal: pegar o produto e sair.
Distraí-me observando a concentração dos consumidores, o brilho nos olhos por terem conseguido aquilo que tanto desejam ou que nem desejam tanto. Com tanto apelo ao consumo, às vezes fica difícil sabermos se compramos por necessidade ou por termos sido influenciados pelo modismo, pelo materialismo ou até mesmo para suprirmos alguma carência - Estou tão triste hoje, preciso me satisfazer com uma roupa nova, com o celular da hora, com o último lançamento - O caso é que logo em seguida o vazio pode ser tão grande quanto o bolso de quem comprou por impulso.
Se dinheiro traz felicidade eu não sei, isto é algo subjetivo demais para se ter uma resposta pronta, pois sempre haverá alguém tentando provar por a mais b que, no mínimo, é um mal necessário. Sei que a vida com ele se torna muito mais fácil e que muitos tormentos são evitados, mas que está longe de ser o passaporte para uma vida feliz.
Existem coisas que nos fazem perder o rumo. A cena me chama a atenção: uma senhora de meia idade a minha frente está no caixa fazendo o seu crediário. Atrás dela a fila se avoluma cada vez mais, as atendentes agitadas procuram a forma de serem ágeis, e com a ajuda da tecnologia isso se torna mais fácil, não temos dúvidas quanto a isso. Os papéis estão prontos. Finalmente! Penso eu. É só a senhora assinar e a procissão continuar. Foi nesta hora que percebi o contraste que há entre a tecnologia, entre a incrível facilidade que temos ao acesso a milhares de informações em pouco tempo, vi o que não via há muito tempo, uma “almofadinha” de carimbo sair de trás do balcão juntamente com o pedido de desculpas da moça que atendia. Sim, a senhora de meia idade era analfabeta, não assinava, colocou o dedo na tinta e deixou impresso o seu dedo polegar.
O primeiro impulso foi pensar que, uma pessoa hoje não saber escrever nem seu próprio nome, significa comodismo, falta de vontade. Vi a naturalidade com que ela colocou o dedo e o deixou ali para que borrassem as folhas tantas vezes fosse preciso. Esse ato mecânico para ela me fez ver que ela deixara ali muito mais que uma impressão, deixou a sua dignidade, o seu orgulho, a sua simplicidade, a forma como a vida lhe fora até agora e que provavelmente assim será até o fim. A tinta preta é a comprovação da ignorância, da humilhação, é a prova do quanto fora roubada. Roubaram-lhe a liberdade. Roubaram-lhe os sonhos. Roubaram-lhe os pés, as mãos, a visão. E cega seguiu a vida. Não questionou, não se impôs, não se revoltou. Acostumara-se a trocar a sua identidade por um simples borrão.
E, assim, cumpri ali o que havia ido fazer, mas certamente saí diferente de como entrara. Saí agradecida pela educação que recebi, pela capacidade de valorizar as aprendizagens, até mesmo em uma fila de crediário de uma loja popular.

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