sábado, 3 de julho de 2010

Mania


Tudo foi tirado do lugar, jogado em cima da cama. Uma confusão de malhas das mais diversas cores. A cama um emaranhado só, de pernas, braços, cheiros. Já reparastes o quanto o guarda-roupa é importante? Não estou falando do seu sentido utilitário, que, sim, é muito útil. No imaginário mais cômico serve até mesmo para esconder o amante desavisado. Fora isso, guarda os nossos medos, segredos, desejos, enfim. Quando criança encontrava nele o esconderijo secreto e perfeito ao fugir da vacina que deveria ser tomada, da visita com a qual não simpatizava, da bronca certa pela traquinagem feita. Foi perfeito enquanto cabia nos compartimentos, quando não sufocava em lugares escuros e apertados. Certamente, foi daí que surgiu esta esdrúxula relação.
Todos temos estranhas manias e essa é só mais uma curiosa, se é que se pode ser chamada, mania.
Lembro-me bem quando foi que comecei a prestar atenção nesta simbólica arrumação. Foi na tempestuosa transição do junto e felizes para separados e talvez menos iludidos. Tudo dobrado: meia com meia. Casacos com casacos. Uma parte só pra camisetas. De um lado as femininas e do outro as masculinas. Nunca gostei de dividir este espaço.
Quanto mais a discussão crescia, mais as roupas pareciam implorar para voltarem aos seus lugares, e de preferência bagunçadas, isso sinalizaria que tudo estava bem. Peça por peça foi sendo arrumada. Quanto mais elas ficavam organizadas mais a confusão aumentava aqui dentro. Por fim o espaço físico masculino deixou de existir. O que era antes reduzido pela divisão deixara uma lacuna, necessitaria de uma nova organização. Por algum tempo insisti na produção impecável, já que tinha um enorme lugar para isto. Organizando tudo, organizaria a mim mesma.
Poderia ser simples arrumar os nossos sentimentos assim como arrumamos o guarda-roupa, mas não é. E esta estranha mania só deflagrou a necessidade de consertar o que não andava bem. Passado algum tempo, compreendi que uma das exigências básicas é a de que guarda-roupa não se divide, cada um deve ter o seu: bagunçado ou não.
Espantosamente me flagrei pensando nisso, em como havia esquecido esta relação entre os sentimentos e o guarda-roupa. Por via das dúvidas, a parte de qualquer perfeccionismo, a bagunça está instalada e os sentimentos organizados. Se estou feliz? Dê uma olhada no meu guarda-roupa, mas não mexa, pois ele é guardião dos meus segredos!
Sandra Lopes - 03/07/10

Um comentário:

  1. Depois q li esse texto fiquei pensando será q o nosso armário é reflexo de quem somos?? Será por isso minha vida é tão desorganizada :(
    Bjos... Parabens pelo Blog!!! Sempre virei te visitar!!!

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