sexta-feira, 11 de junho de 2010

Renúncia

Já que hoje é dia dos namorados, posto o o texto abaixo:

Renúncia

Por amor renunciamos ao amor. Parece-nos, no mínimo, uma contradição, uma insensatez, um despropósito de quem faz tal afirmação. Peço-te que não me julgues antes mesmo de saber dos argumentos. E eu argumentarei. Talvez não seja suficiente para você, mas falo disso com propriedade. Muitos entenderão o que lhes digo, outros não, porém não é impossível, basta ler com os olhos do coração.
Falar de amor parece algo simples, eu não diria isso, para falarmos precisamos senti-lo. Não falo do amor entre pais e filhos, de irmãos, de amigos, este é inquestionável e está implicado de uma forma ou de outra. Falo do amor entre um homem e uma mulher, pelo menos é, assim, que ainda o concebo.
Movemos nossa vida em nome do amor, buscamos incessantemente por ele e nada teria sentido se não o existisse. E o que fazemos quando o encontramos? Estamos preparados para vivê-lo? Seria perfeito se este sentimento fosse o único a mover o universo. Infelizmente não é. Existem sentimentos nada nobres que também norteiam as ações humanas: a inveja, a cobiça, a traição, a vaidade, a fraqueza etc.
Bom, chega de divagações. Amor é amor, não se define apenas se sente. Não tenho a pretensão de defini-lo, deixo isto aos poetas que o fazem muito bem.
Quando o vi pela primeira vez fui arrebatada, fui nocauteada. O mais improvável aconteceu, logo eu que não acreditava que isso pudesse acontecer. Sempre fui muito racional, até mesmo no que se trata de sentimentos. Acreditava poder controlar tudo e até ali havia obtido sucesso.
Não acreditava e nem acredito em contos de fadas, em finais sempre felizes, por um lado sempre estive certa em não acreditar. Mas posso descrever o que se passou após o arrebatamento: os dias se tornaram mais leves, coloridos, um suspense diário a ser desvendado, horas e horas esperando por um simples telefonema, desejo incontrolável de ouvir a sua voz e uma contagem regressiva para o próximo encontro. O tempo é muito mais longo para quem está amando, os minutos, as horas, os dias se estendem como gatos preguiçosos na janela em um dia de sol.
O tempo é curto quanto estamos junto daquele que amamos, os minutos parecem ter menos de sessenta segundos, as horas parecem apenas poucos segundos e os dias resumidos em bem menos que vinte e quatro horas. O tempo é inimigo dos amantes.
Só entenderemos os versos de Camões – Amor é fogo que arde sem se ver... É dor que desatina sem doer... - se tivermos experimentado tal sentimento. Eu os entendo, mas não os explico. Não se explica o inexplicável, pois qualquer tentativa seria em vão, como já disse é preciso senti-lo.
Quando o tive pela primeira vez foi como se nada até então tivesse feito sentido, ou melhor, que o único sentido do antes, era ter sido a preparação para aquele momento. Passei a entender de química, a química que une dois corpos, olhos nos olhos, todos os sentidos apurados e preparados, a pele, o cheiro, o toque, a cumplicidade, o afeto, o carinho, adquiriram uma proporção imensa. Só quem ama entende o sentido completo das palavras imensidão e eternidade. Tudo ganha novas formas e buscamos a qualquer preço eternizar os momentos vividos, e os eternizamos na memória, onde nada e ninguém têm acesso a não ser nós mesmos.
Sei que deves estar se perguntando sobre a frase inicial – por amor renunciamos ao amor- como também já disse, nem todos os finais são sempre felizes, mas nem por isso deixamos de persegui-lo. Não há vida sem amor. Ele é o combustível que nos move. É a certeza de que não estamos passando por aqui à toa. É um “retrato lindo” que levamos conosco pela eternidade.
Não há espaço para o egoísmo quando se trata de amor, embora exista quem confunda amor com obsessão, amor com posse, amor com exclusividade. Não. Isso é o que chamamos de paixão. Paixão é uma doença da alma. Paixão causa descontrole. É vulcão em erupção. A paixão só é boa se tiver a pretensão de se transformar em amor.
Ao amarmos não estamos livres do sofrimento. Não há um antídoto contra os outros sentimentos nada nobres aos quais já me referi. Um dia descobrimos que o ser amado, assim como nós, também possui defeitos. Descobrimos que o mundo não é composto só por duas pessoas e que estamos cercados por outros interesses. Paixão. Egoísmo. Obsessão. Sentimo-nos encurralados. Lutamos, mas não forçamos o convívio. Amamos, mas deixamos o pássaro alçar outros voos. Sabemos que o voo será longo, será exaustivo. Poderíamos voar junto, gostaríamos de poupá-lo. Por amor voaríamos junto. Porém, é necessário que voe só. Continuamos voando sozinhos, voos rasantes e sempre retornamos ao ninho das lembranças, sempre retornamos ao que restou, resquícios de felicidade, parâmetro para reiniciarmos o nosso próprio novo voo.
Quando ele alçou seu voo o deixei ir. Necessitava ir. Os meus olhos o seguiram até desaparecer no horizonte e por algum tempo me mantive presa ali, asas aparadas, impedida de recomeçar. A natureza é sábia e tudo reconstitui. Renascemos mais fortes, tal qual a Fênix, mais preparados e amadurecidos, não deixamos de existir, não nos desfazemos do que acreditamos que seja certo e muito menos do que já vivenciamos, apenas emolduramos o bem precioso que foi.
Por amor renunciamos ao amor, por amor a nós mesmos, por amor a outra pessoa. Só quem já amou é capaz de entender. Não é uma renúncia definitiva, não desacreditamos. Não se pode desacreditar. A incredulidade é a bengala dos fracos.
Não espero pelo retorno do que já foi. Mesmo que voltasse, não seria mais o que era e o que era é o que ficou, e quem ficou já não é mais o que era. Costumamos atribuir isso à vida, às circunstâncias. Eu atribuo à evolução.



Sandra Lopes – 06/07/09

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