domingo, 20 de fevereiro de 2011

Espelho


Tudo o que havia para ser dito e especulado, havia sido dito e especulado. Restavam nela resquícios de beleza e alguns traços de juventude, hoje nem tão visíveis. As mãos trêmulas denunciavam o quão frágil se encontrava. A notícia não deixava dúvidas. Estava entre a cruz e a espada, não havia ilusões, não havia para onde fugir. Haveria de confrontar a realidade, embora ainda não soubesse como e nem por quê.

Há muito deixou de se importar consigo, deixou que o acaso tomasse as rédeas de sua vida, vivia para trabalhar, comer e dormir. Nada e ninguém lhe importavam. Levava uma vida sem surpresas, sem decepções, sem adrenalinas. Recuou da própria existência. Tornou-se incrédula e arredia.

Perdeu a noção de quanto tempo estava assim, porém tinha muito claro o porquê da sua mudança. Procurava não se apegar nas lembranças mal conservadas de felicidades outrora vividas. Vagamente sabia que havia sido. Por anos seguidos alimentou a ideia de que nada mais valia a pena e que viver se resumia em fazer as coisas básicas do dia-a-dia. Descuidou-se, afastou-se, assim não haveria cobranças, não haveria desafios, não haveria, principalmente, frustrações.

Diante do incontestável experimentou o maior choque da sua vazia trajetória. Faltava-lhe o ar, fora bombardeada com inúmeras dúvidas. Possuía tantas certezas e agora nada mais lhe parecia certo. Cuidou para que nada lhe surpreendesse, no entanto, fora arrebatada de si. Nada mais estava no lugar, que considerava intacto.

Experimentava todos os tipos de sentimentos, todos ao mesmo tempo. Fugira disso com tamanha convicção que se julgou imune a qualquer tipo de surpresa. Enganou-se. Os acontecimentos surgiram e fora sacudida da mesmice cotidiana. Esquematizara sua vida pautada na certeza de que não se arriscaria, de que não se aventuraria, de que não ousaria. Menos ilusões, menos decepções, menos compromissos, menos medos. Subtraíra-se.

Não se considerava nem feliz nem infeliz, era uma pessoa qualquer, comum, sem atrativos físicos e intelectuais, mais uma no meio da multidão. Era exatamente este conceito que tinha de si e se esforçava em transparecer aos outros, não que realmente assim fosse.

O papel escrito em suas mãos roubou todas as suas forças. Sentiu enjoo. Esforçou-se para continuar respirando. Subitamente perdera o chão. Flutuava sob um mar de indagações. Olhou-se no espelho e não reconheceu a imagem refletida. Uma estranha diante de si. Revoltou-se com a fatalidade, que havia lhe tirado da normalidade.

Relutou em manter a compostura, não era hora de desmoronar, não era permitido o descontrole, não se permitia sair do comando, tudo até então teria sido inválido e isso era inconcebível. Respirou fundo e o ar gelado do inverno lhe feriu os pulmões. Mirou mais uma vez a imagem no espelho antes de transformá-lo em cacos.

Pressentia que seria difícil continuar indiferente diante dos fatos. Passou uma água no rosto na tentativa de recompor todas as escolhas que havia feito. Por um momento considerou a hipótese de que fizera tudo errado. Procurou em seus pertences algo para vestir, uma roupa que traduzisse toda a sua dor. Não teve trabalho pra encontrar, tudo o que possuía traduzia o seu estado de espírito.

Após travar uma batalha consigo, saiu de casa, precisaria enfrentar os seus temores, devia isso a ele e não se acovardaria por mais difícil que fosse. Pegou o primeiro táxi que surgiu e diante da pergunta do motorista confrontou mais uma vez o que estava escrito no jornal. Transtornada de dor e desilusões seguiu direto até o derradeiro local, onde logo na entrada podia ser lido: enterro de Pedro Almeida Júnior. O seu único e verdadeiro amor.






Ssandra Lopes - 20/02/2011











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